Introdução
Os dois textos bíblicos (a I
leitura e o Evangelho) indicados para este 4º domingo do tempo comum nos
indicam dois exemplos de fidelidades à própria missão: Jeremias e Jesus.
A
primeira leitura fala da vocação de Jeremias. Deus, prevendo as dificuldades
que enfrentaria, exorta-o a permanecer firme, como uma coluna de ferro, como
uma muralha de bronze.
No
Evangelho de hoje, Lucas nos apresenta Jesus, o profeta martirizado, do qual
celebramos a prática libertadora e a vitória sobre a morte.
Por
isso, é impossível que se entenda celebrar a Eucaristia sem a consciência devida
a respeito da adesão a Jesus, o profeta rejeitado e morto. Caso contrário, seria
pura alienação. Ou seja, se não há a devida consciência de que somos
interpelados pelo Espírito a um envolvimento com o projeto libertador, conforme
encapou o Nazareno, em prol de tudo
aquilo que promove a justiça, descaracterizamos o sentido pleno da Eucaristia.
A
segunda leitura fala do carisma do amor. Aliás, ela está em perfeita sintonia
com as demais leituras. Recomenda o apóstolo São Paulo: “Aspirai aos dons mais
elevados”, o dom do amor.
Como
batizados, por isso, cristãos, somo profetas e, mais, chamados a acolher a
salvação como dom de Deus, salvação disponibilizada a todos e a todas.
·
I Leitura (Jr 1,4-5.17-19)
O trecho apresenta a experiência
vocacional profética de Jeremias, lá pelos anos 627 a.C., no tempo do rei
Josias. Jeremias é natural de Anatot, aldeia dos seus antepassados. Tudo leva a
crer que, apesar de ser muito jovem, percebe o chamado de Deus para ser
profeta. Aliás, assim ele ouve a Palavra do Senhor: “Antes de formar-te no seio
de tua mãe, eu já te conhecia, antes de saíres do ventre, eu te consagrei e te
fiz profeta para as nações”.
Como será a vida de Jeremias? Deus
o escolheu para uma missão difícil e arriscada: anunciar a sua Palavra aos
reis, aos governadores, aos sacerdotes e a todo o povo. Por isso, sua vida será
uma sequência de fracassos. É estranha a vida do profeta! É mais do que
estranha: É dolorosa e desafiadora, - bem o sabemos – são sempre colocados à
margem. Quem poderá confirmar tudo são os “próprios profetas de ontem”, e os
que ainda são vivíssimos hoje e sempre no coração de todos nós: Jesus Cristo, Dom
Helder, Dom Oscar Romero, Pe. Josimo, e tantos leigos e leigas, cujos nomes,
propositalmente nem sempre aparecem. “Quando dou pão aos pobres, todos me
chamam de santo. Quando mostro que os pobres não têm pão, me chamam de
comunista e subversivo” (Dom Helder Câmara).
Mas por que é assim? Porque o
profeta contempla o mundo, morada de Deus, com os olhos de Deus. A sua
sensibilidade é semelhante ao coração de Deus. Ele sente quando o projeto
divino é afrontado e negado pelo projeto dos homens, vencendo, portanto, a
morte sobre a vida. Aí então é que não consegue mais conter a sua indignação,
não pode mais calar-se.
Na segunda parte do trecho (VV.
17-18) Deus anuncia a Jeremias o que lhe acontecerá. Não o engana.
A leitura termina com palavras de
esperança e de conforto. Assim diz o Senhor: “Serás atacado, mas não
conseguirão vencer-te, pois estarei ao teu lado para proteger-te” (v. 20).
Alguns questionamentos poderíamos
fazer a nós mesmos, por exemplo: Temos consciência da nossa vocação profética?
Deixamos envolver pela Palavra de Deus e
pelo seu Projeto em prol da “vida em abundância”? Não sentimos, às vezes, ou
sempre, que a nossa vida cristã está bastante “adocicada”, ou “insípida”, na
hora que é preciso dizer a verdade, denunciar situações e atitudes contrárias
ao Evangelho?
·
Evangelho (Lc 4,21-30)
Num primeiro momento, não nego, fico
um tanto embaraçado ao interpretar o trecho do Evangelho de hoje: É bastante
complicado entendê-lo com evidência a razão pela qual os nazarenos passam da
admiração pelo Mestre, o ilustre conterrâneo, aos insultos à tentativa de
linchamento. “Levantaram-se e o expulsaram da cidade. Levaram-no para o alto do
morro sobre o qual a cidade estava construída, com a intenção de empurrá-lo
para o precipício”. Quanta violência! Miserere
mei Deus!
“E a evocação dos fatos tirados do
ciclo de Elias e Eliseu estabelece um paralelo entre Israel e Nazaré. Nazaré
passa a ser o protótipo da rejeição de Jesus por Israel”. Jesus é um profeta,
sim, não somente porque ele sabe-se enviado, mas porque é rejeitado. Eis o
critério que permite verificar a autenticidade de sua vocação: “... nenhum
profeta é aceito na sua própria terra” (v. 24).
O povo de Nazaré se perde,
perdendo para sempre a possibilidade de estar em contato com o libertador e salvador,
excluindo-se do
“hoje” do Deus que age na história (v. 21). Perdoem-me, mas que gente impiedosa e estúpida!
“hoje” do Deus que age na história (v. 21). Perdoem-me, mas que gente impiedosa e estúpida!
Conforme o Evangelho do domingo
passado, o projeto de Jesus é libertar os oprimidos e marginalizados. A
rejeição de Jesus e seu programa de vida começa em Nazaré e culmina em
Jerusalém, onde ele é julgado por um tribunal iníquo, crucificado e morto,
graças aos seus opositores.
Rejeição
a Jesus, por que? O primeiro motivo é a encarnação: “Não
é este o filho de José?” (v. 22a). E por aí vai! O povo espera um messias
espetacular, capaz de ações mágicas. O segundo motivo é a busca de milagre:
“Faze também aqui, em tua terra, tudo o que ouvimos dizer que fizeste em
Cafarnaum” (v. 23b). Jesus se recusa a cumprir sinais em benefício próprio.
Nazaré negou todas as
possibilidades de acolher a libertação, recusando totalmente o Filho de Deus e
seu Plano de Amor. Mas quem disse que
possível deter o processo de libertação? “Jesus, porém, passando pelo meio
deles, continuou o seu caminho” (LC 4,30).
·
II Leitura (1 Cor 12,31-13,13)
Conforme já foi visto na leitura
do domingo próximo passado, em Corinto havia discórdias e invejas por causa dos
carismas. Depois de ter afirmado que todos os dons provêm do Espírito e se
destinam a edificação da comunidade, o Apóstolo Paulo indica para os cristãos um
caminho mais excelente que todos: a caridade. O que ele nos quer ensinar é
que alguém pode ser dotado de excelentes qualidades, tomar retumbantes
iniciativas; mas se não for movido pelo amor totalmente gratuito e
desinteressado, se for dominado pela vaidade e pelo desejo de promover a si
mesmo, não possui a “caridade”. “Quer dizer que a virtude das virtudes, a
virtude sem a qual, todas as demais nada são e nada valem é a Caridade” (Dom
Helder).
Pe. Francisco de Assis Inácio
Pároco da Paróquia da Imaculada
Conceição
Nova cruz - RN
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