sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

ARTIGO: "É preciso ser muito grande para fazer-se tão pequeno"


Pe. Francisco Fernandes

Durante os últimos dias, desde o anúncio de renúncia por parte do Santo Padre Bento XVI, tenho recebido inúmeras comunicações sobre o assunto e, quase sempre, há uma pergunta que não escapa: como está Roma após esta notícia? 

Diria que Roma está dividida em duas: uma real e outra virtual. A real é aquela dos simples cristãos católicos e dos homens e mulheres de boa vontade que, não obstante o primeiro impacto causado pelo gesto do Romano Pontífice, exprimem com a presença física e espiritual, com cânticos, orações, palmas, cartazes e comovidas lágrimas, toda a gratidão e admiração pelo Santo Padre. Fazem também parte deste grupo as centenas de religiosos, sacerdotes, bispos e cardeais que, nos últimos dias, mais que em qualquer outro momento, mantiveram os olhos fixos e ouvidos atentos às suas palavras. Ao aplaudi-lo incansavelmente, ao retirar suas mitras, ao fazer uma leve ou profunda inclinação ao cumprimenta-lo, cada um entendia dizer ao Papa e ao mundo: Obrigado, Santo Padre, por nos apontar a estrada justa! Obrigado por nos iluminar com a grandeza e bravura de seu testemunho! Por fim, a Roma real é ainda e, sobretudo, a do Papa Bento XVI que, não obstante a gravidade de seu ato, sentindo-se profundamente livre e em perfeita sintonia com a Verdade, acalenta a todos com seu discreto e sereno sorriso, com a profundidade de um olhar que alcança a todos, com o alargar dos braços que se estende ao mundo inteiro e com as repetidas vezes em que disse: grazie! Eis a expressão que sintetiza a realidade de Roma nesses dias: gratidão. 

E a Roma virtual? Ah! Esta é a dos desinformados, dos que se encontram distantes, sobretudo com o coração. É aquela Roma tomada por uma mídia sensacionalista e sem nobreza de propósito. Desta, fazem parte todos aqueles que procuram disseminar suspeitas e reproduzir uma imagem distorcida e odiosa do Papa e da Igreja.

Em uma de suas obras, disse o filósofo alemão, Martin Heidegger: “Somente se nos tornarmos realmente pequenos, se despertará em nós o desejo de busca pelas grandes coisas, e só adquirindo isto seremos capazes de nos maravilharmos. Mas a maravilha é superar o óbvio.” Aqui, possivelmente, encontramos uma chave de interpretação para o que estamos vendo nesses dias. A mídia ou – pensando mais amplamente – o mundo se veem desconcertados e confusos diante do gesto de quem “se faz pequeno”, justamente porque estão habituados ao movimento inverso do “fazer-se grande”. Mas, esta – a primeira – é a lógica do Evangelho; esta é a dinâmica que se encontra no que há de mais original na Igreja. Eis porque a renúncia do Santo Padre torna-se uma maravilha e um gesto luminoso para a vida eclesial e dos cristãos!

Ao romper com óbvio, ao renunciar ao poder, ao fazer opção pelo anonimato, ao revelar a todos os seus limites e fragilidades, o Papa sublinha o primado de Deus sobre a história humana, enriquece-nos com um testemunho de coragem e esperança e deixa-nos escrita uma página de evangelho vivido. Além disso, recorda-nos que na Igreja não se ocupam cargos, mas se presta um serviço no amor, por amor e com amor. Esta é a atitude de quem inaugurou o seu pontificado apresentando-se como “instrumento insuficiente nas mãos de Deus” e “humilde trabalhador da vinha do Senhor”. Fica-nos, portanto, uma grande lição: é preciso ser muito grande para fazer-se tão pequeno!

Pe. Francisco Fernandes
Do Clero da Arquidiocese de Natal, residente em Roma, onde faz mestrando na Pontifícia Universidade Gregoriana.

(Crédito da foto: Michael Henrique)

Fonte: Arquidiocese de Natal

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